terça-feira, 20 de outubro de 2009

12

Elvison enfiou uma das extremidades da barra de ferro na cara da coisa. Vou chamar de coisa porque eu não tenho um nome para aquilo. Acho zumbi muito clichê. A coisa caiu com o golpe. Adiantei-me para a estante da televisão e peguei as chaves. Pedi para meu irmão segurar a vela, para que eu pudesse abrir a grade. Não queria ficar trancado com aquela coisa quando ela conseguisse entrar. Após abrir a grade, larguei as chaves na fechadura e voltei para a estante para pegar a lanterna que meu pai costumava deixar ali. Meu irmão já estava lá fora. Fui até lá, correndo. A coisa estava de pé novamente, e começou a vir na nossa direção sem hesitar sequer um passo. Era um pouco mais alto que eu e tinha os cabelos pretos e curtos. Com certeza eu nunca o vira antes. Movimentava-se tão bem quanto qualquer humano saudável, ou talvez até melhor. No duro, o cara era rápido.

Meu irmão tentou acertar a cabeça dele com a barra de metal. A coisa se defendeu com o braço. Foi uma reação instintiva, igual como fazemos quando jogam algo na gente. Ele empurrou a barra bruscamente, tirando-a do caminho, e avançou para meu irmão, empurrando-o contra a grade. A chama da vela apagou, e só restava a luz da lanterna que eu mirava para os dois. Sem pensar muito, meti a barra de metal nas pernas do desgraçado. Com sorte, consegui derrubá-lo. Meu irmão largou a vela, segurou a barra com as duas mãos e começou a bater na coisa. Juntei-me a ele. Depois que comecei, eu não conseguia pensar em outra coisa.

Bater.

Minha mente estava toldada pela visão do rosto assustador da coisa e pelo som furioso emitido por ela.

Então, quando senti dormência no braço, eu parei. Encostei-me no muro pequeno de casa. Meu irmão parou um pouco depois. Ficamos observando a coisa enquanto ela se contorcia e gemia incapaz de se levantar. A gente deve ter quebrado quase todos os ossos da perna dela. Segurei-a pelo braço e pedi para Elvison segurar o outro, então arrastamos a coisa e encostamo-la na parede.

Focalizei meu irmão. Ele estava desgastado pra burro, precisava dormir mais do que eu. Enquanto o observava com a luz da lanterna oscilando, eu vi alguma coisa se mover entre as barras da grade, acima do ombro dele. Estreitei os olhos. Aquilo deslizou para fora e pousou no pescoço dele. Era uma mão pálida.
A mão o puxou bruscamente, antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, e bateu a cabeça dele na grade, depois o largou, e ele caiu como um saco de batatas. A mão se recolheu para e escuridão. Não desviei a lanterna, estava aterrorizado. Um rosto surgiu na luz, e eu reconheci. Mas não queria acreditar – era minha mãe.

- Não... – sussurrei. Os olhos dela estavam diferentes, vidrados. Estava sorrindo de um jeito que parecia insano. Uma figura emergiu das sombras e se posicionou ao lado dela. Era parecido com o cara caído no chão, e eu também não o conhecia.

Ele deve ter entrado na hora em que ouvi o barulho de parede sendo destruída. E eu pensando que ela tinha desmaiado mesmo. O que eu podia fazer com aqueles dois? Será que eu teria coragem de bater na minha mãe, mesmo ela estando transformada naquela coisa? Que terrível... Olhei para o cara. Eu estava muito puto. Ele era culpado por aquilo. Eu queria cortar a garganta dele, mas pena não poder entrar e pegar uma faca. Tudo bem, estava satisfeito em espancá-lo até a morte – ou o que quer que acontecesse àquelas criaturas quando eram espancadas como eu pretendia fazer. Ele veio primeiro, para minha sorte. Ótimo, era isso o que eu queria, filho da puta. Tu vai ver só, não devia ter metido teu traseiro por essas bandas.

Segurei a lanterna entre os dentes e, com as duas mãos, girei o bastão de metal em direção à cabeça dele. O miserável colocou o braço no caminho, fazendo o bastão desviar nele. Mas a força que eu botei no golpe o empurrou e o fez perder equilíbrio. Aproveitei a chance e desci o bastão nas pernas dele, derrubando-o. Se aquilo fosse uma brincadeira, eu teria até inventado um nome pra esse golpe. Mas o negócio era sério. Bati na cabeça do filho da puta, sem dó. Espanquei também os braços e as pernas dele, para incapacitá-lo.

Fiquei exausto quando terminei. Tinha perdido a conta de quantas vezes desloquei aquele bastão. Meus braços pareciam pesar mais do que todo o resto do corpo. O que me surpreendeu foi minha mãe ter ficado olhando o tempo todo, sem fazer nada. Posei a lanterna sobre o muro, mirada para ela. Quando levei a mão livre ao bastão, ouvi um grito feminino vindo de algum ponto da rua. Por curiosidade, mudei a posição da lanterna, apontando-a na direção aonde o grito tinha se propagado. Burrice. Senti uma pancada forte no peito e fui jogado direto para a rua, sem tocar a calçada. Putz, velho, como doeu aquilo, fodi minhas costas. A lanterna escorregou e caiu na calçada, pude escutar. A luz falhou por uma fração de segundo, e depois ficou firme, se estendendo pela rua. Dava para enxergar algumas coisas próximas. O bastão estava caído perto de mim. Corri para ele e depois para a lanterna. Tentei posicionar a luz para um ponto distante à minha frente e, bingo, minha mãe estava bem diante de mim, preparada para foder minha cabeça com uma pedra, mas alguma coisa acertou suas pernas com força, e ela despencou. Olhei para o lado – era meu irmão.

Olhei para minha mãe caída na calçada e constatei que ela não levantaria tão cedo. Os ossos dela já estavam muito fracos pela idade, e com uma pancada daquelas... Falei para o meu irmão para sairmos dali. Juntos, arrastamos nossa mãe para dentro da casa e deixamo-la trancada lá dentro. Peguei meus chinelos e então nos mandamos pela rua que dava para Jardim Brasil II, mas sem rumo certo.
Ao chegarmos na esquina, vi uma van se aproximando velozmente à nossa direita. Apontei a luz para ela. A van freou bruscamente bem na nossa frente. O motorista colocou o braço para fora da janela e esticou um pouco o pescoço – seu Alexandre.

- Danilo! Entre aí, meu filho! Depressa! – ele pediu agitado. – Quem é esse? Ah, o irmão dele? – disse, após ter ser respondido pela voz de Matheus.
Entramos na van.

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