quarta-feira, 4 de novembro de 2009

14


Levi e Hugo nos contaram como conseguiram as armas. Era no mínimo curioso o fato de eles terem conseguido um gerador de energia e armas de fogo de diversos calibres. Não só pistolas, mas também rifles. Rifles. A curiosidade atingiu a quase todos nós, principalmente ao Seu Alexandre, que aparentava ter conhecimento sobre algumas daquelas armas. Ele detinha-se a observá-las com um vagar de quem parece saber muito mais do que se supunha que soubesse. Explicava minuciosamente às dúvidas do seu filho mais novo, respondendo até mais do que ele perguntava.


Enquanto observava os rifles e pistolas, eu avistei um sofá vazio. Cara, aquilo parecia o paraíso. Vazio. Lembro de ter dito a Levy algo sobre estar precisando deitar e dormir. Tombei no sofá e não me recordo de nada do que aconteceu depois disso. Tive um sono profundo e sem sonhos. Só um barulho distante me incomodou, mas era quase imperceptível. Outros sons se misturaram àquele barulho, provocando um ruído alto. Afinal eu acordei.


- ... erta os caras, carai. – alguém gritou.

- Eu não vi, porra! Eles tavam na minha mira. – Hugo replicou.

- Bora descer!


Eu saltei do sofá e vi Hugo e Levy correndo para as escadas, armados. Os outros continuavam ali, exceto os pais e o irmão de Matheus. Ele e Elvison estavam debruçados no peitoril da janela, observando alguma movimentação na rua. Eu me juntei a eles. Já era dia. Cacete, como passou rápido. O objeto de curiosidade era um grupo de pessoas brigando ao lado do Mercadinho Tavares. Pelo que pude ver, eram três zumbis contra dois caras. Limpei os olhos para enxergar melhor: os dois caras brigando com os zumbi eram Tiago (Venta) e Douglas (Noinha). Tiago tava usando como arma o que parecia ser uma chave de cano vermelha do tamanho do braço dele. Douglas tava usando... um pedaço de pau. Hugo e Levy apareceram lá embaixo e gritaram pedindo para que os dois saíssem de perto dos zumbis, que eles iriam atirar. Douglas e Tiago não hesitaram e correram para a rua em direção ao mercadinho Central. Os outros começaram a atirar. Houve uma ruído filho da puta de tiros repetitivos. Nós três que estávamos olhando da janela fomos forçados a tapar os ouvidos, tão alto era o barulho. Eu já estava começando a ficar perturbado com as matanças. Quando aquela merda iria acabar? Perguntava a mim mesmo, numa tentativa de me acalmar, e me lembrava de que aquilo era só o começo do dia.


Os disparos cessaram. Os três zumbis estavam estirados na calçada do mercadinho, tingida com o sangue deles. O mesmo sangue que escorregava no meio-fio e se perdia dentro duma boca-de-lobo.


Estremeci.

Matheus me chamou a atenção e me mostrou as armas que Levy tinha separado para a gente. Três pistolas semi-automáticas, e seis cartuchos, além dos que estavam nas armas.


Então seria assim dali pra frente.

Descemos as escadas. Precisávamos ter muito cuidado com as semi-automáticas, pois estavam já no ponto para disparar os projéteis.


Lá embaixo encontramos Douglas e Tiago conversando com os matadores.


- Deu o carai! – foi a reação de Douglas ao ver a gente com as Glock. Tiago reagiu com surpresa também, e soltou um “porra” prolongado, abafando a boca com a mão.


A gente conseguiu sorrir.

- Que arma do carai! – Elvison falou, referindo-se à chave de cano na mão de Tiago. – Gostei.

- É, e eu gostei da sua. Vamo trocar?

- Pois eu prefiro a arma de Douglas – Matheus disse – Dá pra furar um olho, né.


A arma de Douglas era um cabo de vassoura partido. A gente riu. Era um troço estranho conseguir rir com três corpos estirados bem do outro lado da rua e o cheiro forte de sangue. De qualquer forma, eu me sentia menos perturbado quando conseguia sorrir.


- Ei, eu vou lá dentro beber água – Levy disse. – Fiquem de olho aí, velho. Se aparecer mais daqueles putos não deixem Kerekexe atirando sozinho, não.

- Beleza – Matheus respondeu prestativo. Aproveitei e perguntei a ele aonde os pais e o irmão dele tinham ido. Ele respondeu que na casa duma tia aí. Fiquei surpreso que ele tivesse conseguido dissuadir o pai de arrastá-lo junto. Ainda mais depois de seu Alexandre ter visto a caralhada de armas que estavam espalhadas na casa de Levy.


Comecei a pensar na minha avó, não sei por que. Ela costumava ir lá em casa para conversar com a minha mãe. Era sempre a mesma conversa: mesmo que mudasse o tema, a estrutura da conversa não mudava, como se ela mudasse os nomes dos personagens e contasse a mesma história. E isso quando ela não contava mesmo uma coisa tinha contado. Minha mãe sempre olhava para mim e suspirava um “lá vem” quando ela começava a falar, porque já sabia o que estava por vir. Para melar ainda mais, como se não fosse ruim o suficiente ter que ouvir aquilo tudo, minha avó sempre se queixava de uma dor na têmpora esquerda, que ela enfatizava deslizando o dorso da mão do alto da cabeça até o pescoço. Sempre que falava dessa dor, ela fazia isso com a mão e apertava os olhos e tudo.


Minha divagação foi interrompida por um ruído de pneus no final da rua. Uma caminhonete vinda da rua do posto de saúde se aproximava de um jeito estranho, num ziguezague muito louco: o cara dirigia mal pra cacete. Enquanto a caminhonete se aproximava, eu pude ver que haviam uns caras em pé na caçamba, apoiando os braços no teto. Toda vez que o motorista fazia uma barbeiragem, virando prum dos lados da rua e freando, os caras perdiam o equilíbrio mas não caíam nem nada. Então eles começavam a rir. Os cretinos riam que nem umas hienas, e alto pra cacete, quando aquilo acontecia.


Havia mais gente sentada na caçamba e um no banco do carona. Quanto mais próxima da gente a caminhonete ficava, mais alto se tornavam as risadas, e a fisionomia deles só ficou clara quando o veículo já estava passando em frente ao mercadinho Central.


Aqueles caras...

Eram zumbis.


- Galera – Hugo começou. – na cabeça e no joelho. Não desperdicem balas, por favor.

Tá beleza, Hugo. Primeiro eu vou tentar acertar.

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